Computação Quântica: Buscando um Elemento em uma Lista
A computação quântica continua atraindo muita minha atenção por seu potencial em resolver problemas que são desafiadores para a computação clássica. Comecei a colocar a bola no chão e tentar explorar de forma mais prática como seria o mundo em que criamos algoritmos voltados para computadores quânticos. O Algoritmo de Grover é um exemplo interessante pois resolve um problema bastante comum na computação clássica: busca de um elemento em uma lista desordenada.
Neste artigo vou mergulhar mais fundo no Algoritmo de Grover, explorando como ele funciona, por que ele é eficiente e, o mais importante, como ele pode ser usado para resolver um problema real: encontrar o primeiro número par em uma lista de números.
O Problema Clássico de Busca
Imagine que você tem a seguinte lista de números: [1, 3, 5, 7, 8, 9, 11, 13]
, e seu objetivo é encontrar o primeiro número par. Em um computador clássico, você percorreria a lista verificando cada elemento até encontrar o número desejado. Para essa lista específica, o primeiro número par é 8, e a busca clássica exigiria percorrer os primeiros quatro elementos antes de encontrar 8. Se a lista fosse muito maior, o tempo de busca poderia aumentar significativamente.
O Algoritmo de Grover oferece uma maneira de realizar essa busca de forma muito mais eficiente, especialmente quando a lista é grande.
Introduzindo o Algoritmo de Grover
O Algoritmo de Grover é um algoritmo quântico que resolve o problema da busca em listas desordenadas com uma complexidade de %%\mathcal{O}(\sqrt{N})%% , onde N é o número de elementos na lista. Isso significa que, para uma lista de N elementos, Grover pode encontrar a solução com aproximadamente %%\sqrt{N} %% operações, uma melhoria significativa em relação ao %%\mathcal{O}(N)%% das buscas clássicas.
Como o Algoritmo de Grover Funciona
O Algoritmo de Grover é composto por quatro etapas principais:
1. Superposição Inicial: Colocar todos os possíveis estados quânticos em superposição.
2. Oracle: Marcar o estado que corresponde à solução correta invertendo sua fase.
3. Amplificação da Amplitude (Inversão sobre a Média): Aumentar a probabilidade de medir o estado correto.
4. Medição: Medir os qubits para identificar o estado que foi amplificado.
Vamos detalhar cada uma dessas etapas e implementar um exemplo prático em Python usando o Qiskit.
1 - Superposição: Explorando Todos os Estados Simultaneamente
A computação quântica permite que todos os estados possíveis de um sistema sejam explorados simultaneamente, graças à superposição. No Algoritmo de Grover, começamos aplicando portas Hadamard a todos os qubits, o que coloca o sistema em uma superposição uniforme de todos os estados possíveis.
Por exemplo, se estivermos usando 3 qubits para representar nossa lista, após aplicar a porta Hadamard, todos os %%2^3 = 8%% estados possíveis estarão em superposição, com cada estado representando um número da lista.
from qiskit import QuantumCircuit
n_qubits = 4 # Vamos usar 4 qubits para representar nossa lista
qc = QuantumCircuit(n_qubits)
# Passo 1: Superposição inicial usando portas Hadamard
qc.h(range(n_qubits))
print(qc.draw())
Podemos plotar as probabilidades e observar que, inicialmente, todos os estados tem a mesma probabilidade. Isso indica que todos os estados coexistem com a mesma probabilidade nesse instante.
from qiskit import QuantumCircuit, Aer, execute
from qiskit.visualization import plot_histogram
qc.measure_all()
# Executando o circuito
simulator = Aer.get_backend('aer_simulator')
result = execute(qc, backend=simulator, shots=1000).result()
# Exibindo os resultados
counts = result.get_counts(qc)
print("\nResultados da simulação:", counts)
# Plotando o histograma das probabilidades
plot_histogram(counts)
2 - Oracle: A Marcação do Estado Correto
O Oracle é a parte do Algoritmo de Grover que identifica o estado correto – o estado que estamos procurando. Ele faz isso invertendo a fase desse estado, ou seja, multiplicando a amplitude do estado por -1.
O ponto chave é que o Algoritmo de Grover pressupõe que temos uma forma de “testar” se um determinado estado é a solução que estamos procurando, mesmo sem saber de antemão qual é a solução.
2.1 - Função %%f(x)%% e Oracle
O Oracle no Algoritmo de Grover é uma função que podemos aplicar a qualquer estado %%x%% para verificar se ele é a solução que estamos procurando. Em termos simples, o Oracle é uma função %%f(x)%% que retorna 1 se %%x%% for a solução e 0 caso contrário.
A “marca” que o Oracle aplica ao estado quântico não nos diz diretamente qual é o estado correto; em vez disso, ele inverte a fase do estado quântico associado à solução.
2.2 - Estado Inicial e Superposição
No início, todos os estados possíveis estão em superposição. Isso significa que o sistema “explora” todos os estados simultaneamente. Quando o Oracle é aplicado, ele não precisa “saber” qual é o estado correto; ele simplesmente verifica cada estado em paralelo, marcando (invertendo a fase) do estado que satisfaz a condição %%f(x) = 1%%.
Suponha que queremos encontrar o número par em uma lista. O Oracle, então, é uma função que verifica se um número é par.
Quando aplicamos o Oracle em todos os estados (que representam os números na lista), ele marca o estado que representa o número par. A inversão de fase é uma operação que não nos revela diretamente o número, mas altera a forma como o estado interfere no processo subsequente.
2.3 - Mas por que inverter a fase?
Essa inversão é crucial porque prepara o terreno para a próxima etapa, onde a amplificação da amplitude faz com que o estado correto se destaque.
Situação Inicial:
- Temos 4 estados: %%|00\rangle%%, %%|01\rangle%%, %%|10\rangle%%, %%|11\rangle%%.
- Após a aplicação da porta Hadamard, todos os estados têm a mesma amplitude %%\alpha = \frac{1}{2}%%.
Após o Oracle:
- Suponha que o estado %%|11\rangle%% é o estado marcado. Após o Oracle, sua amplitude se torna %%-\frac{1}{2}%%.
No exemplo de busca pelo primeiro número par, o Oracle seria programado para identificar estados que representam números pares e inverter suas fases.
def oracle(qc, n_qubits, binary_rep):
for state in binary_rep:
number = int(state, 2)
if number % 2 == 0: # Se o número for par
for qubit in range(n_qubits):
print(qubit, state[qubit])
if state[qubit] == '0':
qc.x(n_qubits-qubit-1)
qc.h(n_qubits-1)
qc.mct(list(range(n_qubits-1)), n_qubits-1)
qc.h(n_qubits-1)
for qubit in range(n_qubits):
print(qubit, state[qubit], n_qubits-qubit-1)
if state[qubit] == '0':
qc.x(n_qubits-qubit-1)
2.4 - Explicando o algoritmo
- Iteramos sobre os estados possíveis na lista binary_rep
- Verificamos se o número correspondente ao estado é par
- Marcamos esse estado aplicando uma série de portas quânticas. Primeiro a porta X nos qubits que têm '0' no estado binário.
- Por que a Porta X é Aplicada Apenas nos Qubits que Têm %%\vert 0 \rangle%%?
- A porta Toffoli, que é uma versão controlada de uma porta NOT, exige que todos os seus qubits de controle estejam no estado %%\vert 1 \rangle%% para executar a operação de inversão (NOT) no qubit alvo. Se um qubit de controle estiver no estado %%\vert 0 \rangle%%, a porta Toffoli não realizará a inversão do qubit alvo.
- A porta Hadamard é então aplicada ao último qubit para preparar o estado para a porta Toffoli que é usada para inverter a fase do estado.
- Isso é necessário porque a porta Hadamard transforma o qubit de alvo de forma a criar uma superposição entre os estados %%\vert 0 \rangle%% e %%\vert 1 \rangle%%. Essa superposição permite que a porta Toffoli, que é controlada pelos qubits de controle, realize a inversão da fase de maneira condicional. Sem a porta Hadamard, o qubit de alvo estaria em um estado fixo (%%\vert 0 \rangle%% ou %%\vert 1 \rangle%%), e a porta Toffoli não poderia realizar a inversão de fase necessária no estado marcado pelo Oracle.
- A porta Toffoli (mct: multiple controlled Toffoli) é aplicada, condicionada aos qubits de controle. Isso inverte o qubit de fase do estado marcado.
- Isso é necessário porque a porta Toffoli permite que a inversão de fase ocorra apenas quando todos os qubits de controle estão no estado %%\vert 1 \rangle%%. No contexto do Algoritmo de Grover, queremos inverter a fase de um estado específico (o estado marcado pelo Oracle). A porta Toffoli (ou mct) realiza essa inversão de fase de maneira condicional, garantindo que o qubit de fase seja invertido apenas para o estado que corresponde à solução correta. Sem essa condição imposta pelos qubits de controle, a inversão de fase não seria seletiva, e todos os estados poderiam ser afetados, o que comprometeria a eficácia do algoritmo.
- A porta Hadamard é novamente aplicada ao último qubit para reverter a preparação.
- Finalmente, revertendo as portas X aplicadas anteriormente para retornar os qubits ao estado original.
2.5 - Exemplo Visual - Circuito Quântico Simplificado:
Vamos considerar um exemplo com 3 qubits onde queremos marcar o estado %%\vert 010 \rangle%% (equivalente ao número 2).
- Portas Hadamard (H) são aplicadas inicialmente para colocar todos os qubits em superposição.
- Portas X são aplicadas ao primeiro e terceiro qubits (representando %%\vert 0 \rangle%% bits) para que a porta Toffoli possa operar corretamente.
- Porta Toffoli (•) conectada ao (⊕) no terceiro qubit, inverte a fase do terceiro qubit (quando necessário).
- Portas X são aplicadas novamente para reverter as mudanças iniciais nos qubits de controle.
3 - Amplificação da Amplitude: O Segredo da Eficiência
Após a fase do estado correto ser invertida pelo Oracle, entra em cena a amplificação da amplitude. Esse processo, conhecido como inversão sobre a média, aumenta a amplitude do estado marcado, enquanto reduz a amplitude dos outros estados. Mas como isso funciona?
A amplificação da amplitude pode ser visualizada como uma reflexão em torno da média das amplitudes. Após a inversão de fase, o estado marcado tem uma amplitude negativa, enquanto os outros estados mantêm suas amplitudes positivas. A inversão sobre a média reflete todos esses estados em torno da média das amplitudes, resultando em um aumento da amplitude do estado marcado.
Aqui é onde o "ganhar peso" acontece, e envolve dois passos principais:
a. Cálculo da Média das Amplitudes
- Antes de aplicar a inversão sobre a média, todos os estados têm a mesma amplitude (exceto o estado marcado, que foi invertido).
- Suponha que temos %%M%% estados com amplitudes %%\alpha_1, \alpha_2, \ldots, \alpha_M%%, com o estado marcado tendo %%-\alpha_m%% após o Oracle.
- A média das amplitudes %%\bar{\alpha}%% é calculada considerando todos os estados.
b. Reflexão das Amplitudes em Torno da Média
- Agora, todos os estados são "refletidos" ao redor da média %%\bar{\alpha}%%.
- Estados não marcados: Se um estado tinha amplitude %%\alpha_i%% maior que a média %%\bar{\alpha}%%, ele será refletido para uma amplitude menor (e vice-versa).
- Estado marcado: Como o estado marcado começou com uma amplitude %%-\alpha_m%% (depois da inversão de fase), que é significativamente diferente da média, essa reflexão o move para uma amplitude ainda maior, resultando em um aumento substancial de sua probabilidade.
3.1 - Visualização Matemática da Inversão sobre a Média
Vamos ver isso com um exemplo simplificado:
Situação Inicial:
- Temos 4 estados: %%\vert 00 \rangle, \vert 01 \rangle, \vert 10 \rangle, \vert 11 \rangle%%.
- Após a aplicação da porta Hadamard, todos os estados têm a mesma amplitude %%\alpha = \frac{1}{2}%%.
Após o Oracle:
- Suponha que o estado %%\vert 11 \rangle%% é o estado marcado. Após o Oracle, sua amplitude se torna %%-\frac{1}{2}%%.
Média das Amplitudes:
- Antes da inversão sobre a média, as amplitudes são %%\frac{1}{2}, \frac{1}{2}, \frac{1}{2}, -\frac{1}{2}%%.
- A média %%\bar{\alpha}%% dessas amplitudes é %%\frac{1}{4}%%.
Inversão sobre a Média:
- Para cada amplitude %%\alpha_i%%, a nova amplitude %%\alpha_i'%% após a inversão sobre a média é dada por: αi′=2αˉ−αi\alpha_i' = 2\bar{\alpha} - \alpha_iαi′=2αˉ−αi
- Aplicando isso:
- Estados não marcados: Se %%\alpha_i = \frac{1}{2}%%, a nova amplitude será %%\alpha_i' = 2(\frac{1}{4}) - \frac{1}{2} = 0%%.
- Estado marcado %%\vert 11 \rangle%%: A nova amplitude será %%\alpha_{\vert 11 \rangle}' = 2(\frac{1}{4}) - (-\frac{1}{2}) = 1%%.
Resultado Final:
- Estado marcado: Sua amplitude passou de %%-\frac{1}{2}%% para %%1%%, o que significa que sua probabilidade de ser medido aumentou significativamente.
- Estados não marcados: Suas amplitudes foram reduzidas, diminuindo a probabilidade de serem medidos.
3.2 - Por que isso funciona?
- Interferência Construtiva: A inversão sobre a média cria interferência construtiva para o estado marcado, aumentando sua amplitude.
- Interferência Destrutiva: Ao mesmo tempo, ela reduz a amplitude dos estados não marcados, criando interferência destrutiva.
3.3 - Iterações Adicionais
- Em um algoritmo completo de Grover, esse processo é repetido várias vezes (em torno de %%\sqrt{N}%% vezes para %%N%% estados) para aumentar ainda mais a probabilidade do estado marcado, até que ele seja quase certamente o estado medido ao final.
3.4 - Exemplo Visual do Circuito
- Portas Hadamard (H):
- Aplicadas inicialmente a todos os 3 qubits, essas portas criam uma superposição.
- Portas X (NOT):
- Aplicadas a todos os qubits, preparando-os para a operação de Toffoli.
- Porta Hadamard no Último Qubit:
- Aplicada ao qubit 2 para preparar a operação da porta Toffoli.
- Porta Toffoli (CCX):
- Controlada pelos qubits 0 e 1, com o qubit 2 como alvo. Esta operação inverte o estado do qubit 2 condicionalmente.
- Reversão das Operações:
- As portas Hadamard e X são revertidas para finalizar a amplificação da amplitude.
4 - Medição: A Conclusão da Busca
Após aplicar a superposição, o Oracle, e a amplificação da amplitude, os qubits estão prontos para serem medidos. A medição colapsa o estado quântico em um dos estados possíveis, e o estado que foi amplificado pelo Algoritmo de Grover terá a maior probabilidade de ser medido.
O circuito completo está apresentado abaixo, onde a última etapa é a medição.
O estado correspondente ao número 8
(em binário 1000
) terá uma contagem significativamente maior no histograma resultante. Isso mostra que o Algoritmo de Grover identificou corretamente o número 8
como o primeiro número par na lista, com muito menos operações do que seria necessário em uma busca clássica.
Conclusão
O Algoritmo de Grover é uma ferramenta poderosa que mostra como a computação quântica pode acelerar a resolução de problemas complexos. No exemplo da busca pelo primeiro número par em uma lista, vimos como o Algoritmo de Grover pode encontrar a solução em muito menos passos do que um algoritmo clássico.
Enquanto a computação quântica ainda está em seus estágios iniciais, entender algoritmos como o de Grover ajuda a ter uma visão mais clara de qual caminho podemos seguir.